Abílio assumiu como novo síndico do Condomínio Céu Azul. Tinha 68 anos, era aposentado, formado como técnico em administração e foi funcionário público por mais de 40 anos, trabalhando como chefe da área de fiscalização da Secretaria de Obras da cidade onde morava.
Saia cedo, ia até uma banca de jornais próximo à sua casa, comprava o jornal que tinha costume de ler. Sentado em sua poltrona na sala, passava horas lendo as notícias, fazia questão de ler todas.
Não abria mão de ouvir no seu radinho os noticiários de hora em hora e, à noite ligava a televisão para assistir aos telejornais. Queria estar por dentro de tudo que estava acontecendo para, no dia seguinte, discutir as notícias com seus amigos, na conversa na área de lazer do condomínio.
Ele e a esposa não tinham o costume de sair para passear. No máximo iam à casa dos filhos para ver os netos.
Por ser aposentado e morador do condomínio, julgou que teria mais tempo para se dedicar ao trabalho de síndico.
Acordou cedo e foi logo pegando a papelada do condomínio. Queria ficar por dentro de tudo que havia sido feito, o que ainda teria que fazer e como estavam as contas. Tinha algum dinheiro em caixa?
Ele tinha sido uma das pessoas que mais questionara João Carlos sobre obras que não eram feitas. Decidiu que essa seria sua primeira ação. Procurou ver tudo que estava necessitando de manutenção, conservação e reforma
O estatuto do condomínio lhe dava a prerrogativa de mandar realizar as obras que fossem emergenciais sem aprovação da assembleia de moradores.
Por ter experiência de anos na fiscalização de obras do setor público, pensou que tiraria de letra as pequenas reformas do condomínio. Afinal, tinha vivência na área!
Fez a lista de prioridades e começou a cota-las. Percebeu que através de empresas, embora fosse o certo, essas ações ficariam muito caras. Pensou no bolso dos condôminos e resolveu fazer com profissionais autônomos que apresentariam recibos ao final dos trabalhos
Viu o quanto tinha em caixa e chegou à conclusão que o dinheiro seria suficiente. Depois, de posse dos recibos, diluiria os valores na taxa de condomínio, que certamente ficaria mais caro nos próximos meses. Decidido a mostrar serviço, contratou os profissionais e começou as obras.
Vendo a movimentação, os moradores se sentiram orgulhosos pela escolha do seu Abílio para síndico. “Agora sim temos quem trabalha por nós. Agora sabemos para onde está indo o que pagamos de condomínio”, diziam os que haviam votado nele.
Nem tudo que reluz é ouro
Bem… essa manifestação de aprovação durou pouco. Quando as obras terminaram e, os recibos foram apresentados e pagos, chegou a hora de repassar os valores para a taxa de condomínio.
O aumento foi grande e gerou todo tipo de reclamação. A todo momento Abílio era abordado pelos condôminos que não concordavam com o valor. Eles diziam que o síndico não poderia ter feito as obras sem aprovação de uma assembleia de moradores. Ele tentava se justificar:
Gente, a convenção do condomínio permite que o síndico faça obras emergenciais sem aprovação de assembleia e, foi isso que eu fiz.
Houve até quem dissesse que ele deveria ter feito uma assembleia extraordinária para definir quais as obras seriam emergenciais e, aí sim mandar fazê-las. Até os amigos que Abílio tinha feito ao longo do tempo no condomínio começaram a criticá-lo e deixaram de conversar com ele.
Outros começaram um movimento para retirá-lo da função, mas na hora de escolher um novo síndico, ninguém queria assumir a responsabilidade. Era mais fácil criticar, dava menos trabalho.
E assim, Abílio foi levando seu ano de mandato. Ele havia decidido que não mudaria sua forma de trabalhar. Quem quiser que reclamasse, mas ele faria o que achasse melhor para o condomínio, afinal ele também morava ali e queria o melhor para todos.
Um dia, passando em frente a uma loja que trabalhava com material de jardinagem, se encantou com uma máquina de poda vertical.
– Puxa, isso é ideal para fazer a poda dos arbustos dos jardins do nosso condomínio. Essa máquina vai facilitar e muito o trabalho do seu Aurélio, nosso jardineiro. Vou ligar para ele e falar que vou comprar a máquina…
– Alô, Aurélio?
– Fala, seu Abílio.
– Seguinte, estou numa loja que trabalha com material de jardinagem e, estou em frente a uma máquina de poda vertical. Acho que é ideal para fazer a poda dos arbustos do nosso jardim. Vou compra-la.
– Precisa não seu Abílio, dou conta de fazer o serviço com o tesourão mesmo, já estou acostumado e, o tempo que tenho é suficiente para fazer isso. Gasta dinheiro com isso não.
– Mas o preço não é alto e temos condições de comprar.
– Já disse que não precisa, gasta o dinheiro com outra coisa.
Mas Abílio já tinha decido comprar a máquina e nada o faria mudar de ideia. Além disso era um bem material que estava adquirindo para o condomínio.
– Acho que o Aurélio está é com medo de ficar sem trabalho!
Deu um sorriso de canto de boca e, foi comprar a máquina.
Quando chegou no condomínio exibiu com orgulho o produto da compra.
– Pode ficar tranquilo, Aurélio, você não vai ficar sem trabalho. Aprenda a trabalhar com a máquina e vai ver como vai ficar muito mais fácil fazer a poda.
– Poxa Abílio eu disse que não precisava. Você é teimoso mesmo!
Nervoso ele disse ao jardineiro que era o síndico, comprava o que achasse necessário e, que Aurélio só tinha que fazer o que ele mandava.
Mas os dias seguintes mostraram a Abílio a bobagem que ele havia feito. A máquina tinha muito pouca serventia. Dinheiro gasto à toa.
Só quando um amigo que ainda tinha no condomínio lhe mostrou isso é que ele “caiu na real”. E assim, de equívocos em equívocos, ele foi levando seu mandato.
Do sonho à decepção
Foi um ano muito difícil e de intranquilidade, um ano que demorou a passar. Mas ainda assim ele procurava fazer as coisas com isenção e responsabilidade. Tentava se justificar, dizendo que queria apenas que o condomínio fosse apresentável, proporcionando conforto e tranquilidade para os moradores e valorização para os imóveis.
Porém, a maioria das pessoas não entendia assim e achava que ele estava levando alguma vantagem na hora de contratar as obras.
Os da ala contraria à administração de Abílio formavam grupos nas redes sociais para criticar, menosprezar e até ofende-lo. Ele evitava ver essas postagens para não ter que responder, o que certamente iria acirrar os ânimos e criar inimizades.
Já os que eram favoráveis a ele procuravam ficar isentos e, apenas diziam que estavam com ele, mas não participavam.
Quando enfim chegou o dia da assembleia para eleição de um novo síndico, Abílio quase não acreditou. Em poucas horas ficaria livre de tudo aquilo. Seu sonho se tornara decepção!
Ele sabia que tinha feito o melhor pelo condomínio, mas só conseguiu criar inimizades, ter problemas de saúde e discussões com a esposa, que não aceitava o fato das pessoas ficarem falando mal dele pelas áreas do condomínio.
Na hora da prestação de contas fez questão de apresentar todos os documentos que a contabilidade preparou mostrando todo o movimento financeiro do condomínio.
Muitos o questionaram pelo fato de não apresentar notas ficais de empresas, pelas obras feitas, e sim recibos dados pelos profissionais contratados.
Ele explicou que essa foi uma forma que achou para tornar os gastos menores, pois a emissão de nota fiscal geraria impostos que iam onerar ainda mais o valor da taxa de condomínio. Resolveram aprovar as contas com muita má vontade, quase que como para ficar livre dele.
Terminada a assembleia, um novo síndico estava eleito, aliás, eleita. Uma síndica: a dona Álvara, que era da ala contrária a Abílio e uma das que mais criticavam o trabalho do ex-síndico, alimentando fofocas nas redes sociais.
Naquela noite, como há muito tempo não acontecia, Abílio se deitou e dormiu um sono tranquilo, sem pesadelos com as contas do condomínio!