A saga de um síndico (episódio 3)

Cuidar de um condomínio residencial não é tarefa das mais fáceis, mesmo para alguém de pulso firme. A nova síndica precisa agora dar jeito nas contas do condomínio e resolver os problemas da gestão anterior.

Dona Álvara era uma senhora viúva, pensionista do INSS, com seus 60 anos, estatura mediana, forte, cabelos curtos e bem tingidos numa cor que ficava entre o loiro e ruivo, usava vestidos de estampas no tom pastel, tinha sempre um reluzente relógio no pulso direito, pulseiras no braço esquerdo e, um cordão de ouro com uma pequena cruz como pingente.

Como sua família era do interior, valorizando mais o papel de esposa, Álvara só cursara até o ensino médio.

Quando veio para a cidade grande, ávida em adquirir conhecimentos, ela se dedicou a fazer cursos como datilografia, manicure, costura e culinária. Com isso até conseguiu trabalhos que lhe permitiram ter uma vida tranquila, podendo comprar o que queria e, até passear.

Quando casou assumiu de vez o papel de esposa. Seu marido era professor de uma universidade e tinha condições de dar uma vida tranquila ao casal.

Álvara ficava em casa cuidando dos afazeres domésticos, das compras, dos pagamentos das contas. Gostava de ficar assistindo televisão, acompanhando todos os programas de fofocas sobre artistas, e não perdia uma novela.

Aos domingos não abria mão de ir à igreja que frequentava, e fazia questão de falar da sua fé. Era muita agitada, com andar rápido e passos curtos. Gostava de conversar com as moradoras do condomínio, e diziam, sabia da vida de todo mundo.

E ela começou com o gás todo. Queria mostrar que, o que seus antecessores fizeram ou deixaram de fazer estava tudo errado.

Aquele condomínio estava precisando era de uma mulher de pulso firme que tomasse a frente dos problemas.

Agora sim, esse condomínio vai funcionar. Vou administrar como administro minha casa. As contas vão ficar ali, na ponta do lápis. No final do meu mandato vão ver quanto dinheiro vai ter em caixa, apesar do muito que fizer aqui.

Com esse pensamento e objetivo, partiu para a luta.

Mal sabia ela que não seria bem assim que as coisas aconteceriam.

Para começar o Conselho Fiscal escolhido era composto de amigas fieis de dona Álvara e, aprovavam todas as contas dela, até sem saber o que estavam fazendo. Ninguém ali entendia nada de contas de condomínio, mas o que ela falava todas as outras aceitavam, ninguém se atrevia a contesta-la.

Não que dona Álvara fosse desonesta e estivesse desviando dinheiro das contas do condomínio para bem próprio, mas gastava sem critérios.

Perdendo o controle

Com seis meses, sentiu que perdera totalmente o controle das finanças. Havia dispensado os serviços de um contador porque imaginou que, se sabia fazer as contas da sua casa, faria o mesmo com o condomínio.

Impostos e obrigações trabalhistas deixaram de ser pagos.

Para complicar ainda mais a situação, a crise financeira pela qual passava o país fazia com que a inadimplência nos condôminos aumentasse muito.

Foi aí que ela se arrependeu de, em um dos seus primeiros atos como síndica e, pensando em economizar gastos, ter rompido o contrato com a empresa que administrava o recebimento da taxa de condomínio. Com eles, o condômino pagando ou não, o dinheiro entrava nas contas do condomínio.

Mas ela achou que a comissão cobrada para fazer esse trabalho estava muito alta e, decidiu romper o contrato, para diminuir o valor do condomínio.

Ela mesma faria a cobrança, afinal conhecia quase todo mundo no condomínio e ninguém se negaria a pagar a taxa.

Mas a verdade foi outra: as pessoas apresentavam todo tipo de desculpa para não pagar.

Quando era a Administradora, se não pagassem os juros eram altos e, o valor da taxa subia muito. Então todos procuravam fazer o pagamento.

Com dona Álvara era diferente. Para agradar os moradores ela diminuíra os juros e, com isso os inadimplentes preferiam, fazer o pagamento com atraso.

Agora não sabia como fazer para pagar as contas, honrar os compromissos do condomínio e, os problemas só aumentavam.

Foi tirada dos seus pensamentos pelo celular que tocava. Mal sabia que a notícia que receberia só iria piorar a situação.

– Alô. Estou falando com dona Álvara, síndica do condomínio Céu Azul?

– Sim, sou eu mesma. Quem está falando?

– Bom dia, aqui é Fernanda, gerente da conta do condomínio, no banco.

– Ah, pois não. O que deseja?

– Dona Álvara estou ligando para avisar que estamos devolvendo um cheque no valor de mil e quinhentos reais, por falta de fundos.

– Pelo amor de Deus, não faz isso. Por favor devolve o cheque não. Eu vou dar um jeito de conseguir esse dinheiro e depositar. Me ajuda aí.

– Olha dona Álvara, eu até gostaria de poder ajudar, mas já fiz isso uma vez e a senhora levou mais de uma semana para cobrir a conta. Por causa disso fui chamada na gerência geral e advertida. Dessa vez não vou poder fazer nada para ajudar.

– Então por que está me ligando. Eu ia acabar sabendo que o cheque tinha sido devolvido. Não precisava perder seu tempo para me ligar.

– Me desculpe, só quis avisar para que a senhora procure a pessoa para quem deu o cheque e faça o resgate, porque se ele for reapresentado o Banco Central encerra a conta do condomínio, e o nome vai para o Serasa e, Banco Central, trazendo problemas na sua prestação de contas. Pode ficar tranquila que não ligarei mais, não vou mais incomoda-la.

Só quando a gerente desligou o telefone é que dona Álvara se deu conta da burrada que havia feito. Agora, definitivamente, não conseguiria mais nenhuma ajuda ou vantagem do banco, e o pior, tinha que arrumar o dinheiro para resgatar o cheque.

– Aí meu Deus, vou ter que tirar das contas aqui de casa. A aposentadoria que meu marido deixou, mal dá para cobrir meus gastos. Vou ter que deixar de fazer meus passeios com a turma da terceira idade, para pagar contas do condomínio. Maldita hora que decidi me candidatar a síndico.

As amigas de dona Álvara, eleitas para o Conselho Fiscal, quando viram a situação do condomínio, começaram a se demitir, deixando-a sozinha com o pepino.

Ela bem que tentou convencer as amigas a não abandonar o barco, mas não deu certo, a resposta era sempre a mesma.

– Olha Álvara, você meteu os pés pelas mãos, gastou sem controle, mais do que podia e tinha. Agora vai ter de assumir e resolver o problema, nós não podemos te ajudar.

– Mas se vocês viram que eu estava fazendo errado por que não me avisaram, não me chamaram a atenção, porque sempre aprovavam as contas?

– Não dava, você sempre foi muito autoritária, jamais nos ouviria. Sentimos muito.

Dona Álvara viu o mundo desabar sobre sua cabeça, a pressão subiu e teve que recorrer a remédios para se estabilizar.

Uma luz no fim do túnel

Ela resolveu procurar ajuda de uma amiga que morava em um grande condomínio. Foi quando ouviu dela que a melhor coisa para a saúde de um condomínio, era entrega-lo para uma empresa de Gestão de Propriedade.

– Mas o que é isso?

– Essas empresas cuidam de tudo com relação ao condomínio. Desde administração, parte jurídica, contratos, obras, manutenção, pessoal, parte financeira, enfim tudo que um síndico faz e muito mais coisas. E o melhor é que eles não são moradores do condomínio e, por isso tem mais liberdade para trabalhar.

– Mas isso não ficar caro?

– Álvara, todo serviço profissional e bem feito tem seu preço, mas garanto que vocês não se arrependerão.

Ela voltou para casa com a dica da amiga martelando sua cabeça. Chegou e logo começou a pesquisar sobre o assunto e quais empresas existiam para fazer esse trabalho.

Selecionou três delas que achava mais em condições de fazer o trabalho, e pediu que enviassem um orçamento.

Foi aí que ela viu a diferença de uma para a outra. Das três, duas enviaram o orçamento com base nas informações que dona Álvara deu por telefone.

A terceira pediu para fazer uma visita ao condomínio, ver a situação física, administrativa e financeira, e os principais problemas que ele apresentava, antes de entregar sua proposta.

Para dona Álvara já estava decidido, essa empresa seria a escolhida. Mas, era preciso levar a ideia aos condôminos, que em assembleia, decidiriam se aceitavam ou não a ideia de Gestão de Propriedade e, a empresa que seria escolhida.

Marcou a assembleia e expôs a situação do condomínio, pediu desculpas por não ter conseguido fazer o que todos esperavam dela e, mostrou as vantagens de uma empresa para fazer o papel de síndico.

Com alguma resistência ficou decidido que marcariam um dia para que as três empresas selecionadas fossem apresentar seu trabalho e sua proposta.

No dia em que isso aconteceu, todos puderam sentir que apenas a empresa que se interessara em ir conhecer de perto o condomínio e seus problemas, antes de apresentar sua proposta, era realmente profissional.

Na verdade, os dois outros pretendentes, não passavam de síndicos profissionais, tão comuns hoje em dia.

Fim da assembleia essa empresa, embora tivesse apresentado o maior valor, foi contratada para assumir os destinos do condomínio Céu Azul por um ano.

É bem verdade que a decisão não foi unânime, pois em todo condomínio há sempre aqueles que são contra tudo que é resolvido em assembleia, mas para dona Álvara foi um alívio.

– Graças a Deus estou livre disso. Agora entendo os dois síndicos que me antecederam, senti na pele o que eles sofreram. Espero que pelo menos a escolha dessa empresa para administrar o condomínio, seja um legado que estou deixando. Que eles tenham sorte.